(Segunda Sexta-feira da Páscoa)
É nossa festa titular e devoção de nossa origem na Igreja dos Estigmas. Temos sua fundamentação teológica em Lc 24,36-48: “ ...Vede minhas mãos e meus pés... Mostrou-lhes as mãos e os pés... O Messias havia de sofrer (a Paixão e Morte) e ressuscitar dentre os mortos ao terceiro dia”. A cruz de Cristo mudou o conceito do sofrimento e da morte: morrer é acabar de nascer; a dor e a morte são instrumentos da Redenção.
Estigmas e Cruz, um só mistério. Não eram necessários, mas foram o meio mais eficaz para atrair o coração de cada um de nós (Jo 12,32), para compreendermos a gravidade do pecado (1Cor 15,3) e a dimensão de seu amor por nós (Jo 13,1).
O crucifixo é o compêndio da Paixão do Senhor, um “Livro escrito no lenho da cruz não com tinta, mas com o sangue das Chagas de Cristo” (Santa Catarina de Sena). É o “Livro da Vida” (Ap 20,12), “escrito por dentro e por fora” (Ap 5,1), onde lemos a História da Salvação! “Por fora” conseguimos ler o que vemos na superfície: o abatimento físico, os escarros no rosto, a flagelação, a coroa de espinhos, os ferimentos provocados pelo carregamento do patíbulo, a boca seca, os sinais das varadas e chicotadas, a condição de cadáver, as cinco chagas das mãos, dos pés e do peito.
“Por dentro” só o lêem os contemplativos, os que captam as vibrações do Coração de Jesus refletindo seu infinito amor pelo homem decaído, a misericórdia pelos pecadores, a compaixão pelos doentes, a amargura do Getsêmani, a ternura pelas crianças, a amizade pelos seus mais íntimos, o amor à família, a tristeza por Jerusalém impenitente, a admiração diante da natureza, a preferência pala gente humilde. Exemplo de quem o lê por dentro é Pedro Crisólogo, um santo do século V. Meditando diante do crucifixo, ouviu Jesus sussurrar-lhe:
“Talvez os perturbe a enormidade dos meus sofrimentos causados por vocês. Não tenham medo. Esta cruz não me feriu a mim, mas feriu a morte. Estes cravos não me provocam dor, mas cravam mais profundamente em mim o amor por vocês. Estas chagas não me fazem soltar gemidos, mas introduzem mais intimamente vocês em meu Coração. Meu corpo, ao ser estirado na cruz, não aumenta o meu sofrimento, mas dilata os espaços do Coração para acolher vocês. Meu sangue não é uma perda para mim, mas é o preço do vosso resgate!”
Eu me atrevo a acrescentar: a cruz feriu Jesus, sim. Os cravos provocaram-lhe dores atrozes, sim. As chagas fizeram-no gemer, sim. O corpo na cruz aumentou-lhe o sofrimento, sim. Ele perdeu todo o sangue, sim. Mas seu imenso amor fê-lo por a atenção apenas na graça da vida de união com Deus que suas dores geraram para nós. Esse amor foi maior do que a aversão natural à dor e à morte. “Existia contra nós uma dívida a ser paga” (a dívida dos nossos pecados); ele a cancelou... pregando-a (por seu corpo) na cruz” (Cl 2,14). “Aquele que não conheceu pecado, Deus o identificou com o pecado, por nós, a fim de que por ele nos tornemos justos diante de Deus” (2Cor 5,21). Isto significa que a maldição do pecado da humanidade toda tornou-se maldição e pecado universal dele, como se fosse o culpado. Ele pagou com sua morte de cruz a dívida que não podíamos saldar. Assim a sua condição de santidade se estendeu a nós enos tornou justificados diante de Deus, como se não tivéssemos pecado. “Ele carregou os nossos pecados no seu corpo sobre a cruz...para nos justificar. Por suas chagas fomos curados” (1Pe 2,24; Is 53,4-12). Por isso, Santo Agostinho fez para si esta oração bem estigmatina: “Inscrevei, Senhor, no meu coração as vossas 5 chagas, para que, lendo nelas o vosso amor, por vós relativize todo amor da terra; e lendo nelas os vossos sofrimentos, por vós sofra quaisquer tormentos”.
No juízo final Jesus aparecerá com suas 5 chagas. Então “Fixarão o olhar naquele que crucificaram” (Jo 19,37) como Tomé, que não acreditava até ver (Jo 20,28). Se Jesus conservou em seu corpo glorificado os estigmas, é sinal de que ele deseja que tenhamos os olhos fixos naquele que crucificaram, deseja que meditemos sua Paixão e Morte. Seus Estigmas são “as relíquias da Paixão conservadas nos esplendores da Ressurreição (Pe. Fáber), como:
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1) Lembrança de sua Paixão;
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2) Prova de sua Ressurreição e vitória definitiva sobre a morte e o
pecado;
3) Testemunho de sua mediação entre o céu e a terra como
advogado junto ao Pai (1Jo 2,1-2; Hbr 7,25) e 4) O sinal de seu amor sem limites (Jo 13,1).
Nossas Constituições querem que vivamos o mistério da Cruz (C10 e 42) como São Paulo: “Resolvi nada saber entre vocês a não ser Jesus Cristo, mas Jesus Cristo crucificado!” (1Cor 2,2).
Antes da Constituições, nosso fundador dedicou sua Igreja aos Estigmas de Jesus, como um compêndio da Paixão. Se o Coração de Jesus é a fonte do amor, sua Paixão se torna a manifestação mais convincente desse amor. O paraíso terrestre era irrigado por uma fonte ramificada em 4 rios. A fonte é o Coração de Jesus aberto pela ferida; os rios que irrigam o reino de Deus são as 4 chagas das mãos e dos pés (Gn 2,10).
São Gaspar foi profundamente marcado pelo sofrimento, começando com uma perigosa febre miliar aos 35 anos. Nos 2 anos seguintes suportou grave recaída, salvo, além dos cuidados médicos, pelas orações da cidade toda. Aos 45 anos um tumor na perna, do qual nunca mais sarou, o fez passar por mais de 300 cortes a bisturi sem anestésicos. Dos 65 ao fim (76) viveu num verdadeiro calvário. Podia dizer com São Paulo: “Trago no meu corpo as marcas do Senhor” (Gl 6,17). Mesmo na cadeira de rodas, dirigia toda sexta-feira a Via Sacra para os fiéis e sua comunidade.
Se parássemos aqui, daríamos prova de uma devoção inacabada e desencarnada. Porque, venerar as chagas de Jesus é comprometer-se com as chagas que sangram hoje a vida de tanta gente sofredora da violência, miséria, tortura, vícios, trabalho escravo, filhos sem família estruturada, moradores de rua, prostituição de meninas, os sem teto, sem terra, doenças orgânicas ou psíquicas, corações dilacerados pela traição do amor. É outro livro moderno escrito por dentro e por fora, a exigir nossa leitura atenta e compromissada. É um mundo coberto de chagas, esperando que nossa devoção, partindo das 5 chagas de Jesus, nos faça pensar as feridas de quem sofre em volta de nós. Foi por isso que, ainda estudante, Gaspar se alistou entre os voluntários para dedicar-se aos feridos de guerra que enchiam os hospitais; e, apenas ordenado, lançou-se de corpo e alma à promoção dos meninos soltos na rua. Mais tarde deu-se à recuperação dos sacerdotes necessitados de uma renovação espiritual. Os estigmas da sociedade nos questionam como as 5 Chagas de Jesus.
Pe. Mário Zuchetto, CSS Campinas, Outubro de 2002.