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Província Sta. Cruz

Comentando a Evangelii Gaudium - Pe. Elizio

Comentando a Evangelii Gaudium - Pe. Elizio

         Ao término das comemorações do Ano da Fé, em 2013, o Papa Francisco presenteou a Igreja com a sua primeira Exortação Apostólica como um apanhado da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos de 2012, que tratou da Nova Evangelização para a transmissão da fé. Trata-se da Evangelii Gaudium (EG), sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Um texto que, além de sua simplicidade, beleza e densidade, reassume em um corpus seus discursos no que diz respeito à reforma da Igreja e insere outras questões pertinentes no contexto contemporâneo.

            “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus” (EG 1) são as palavras do início da Exortação que, dirigidas aos fiéis cristãos, convida-os a uma nova etapa evangelizadora pautada por essa alegria. A Exortação Apostólica indica caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos e oferece uma saudável “descentralização” (EG 16), visando uma verdadeira transformação missionária da Igreja que implica sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que pre­cisam da luz do Evangelho, isto é, uma Igreja que ousa tomar a iniciativa, indo ao encontro, procurando os afastados e chegando às encruzilhadas dos caminhos para convidar os ex­cluídos. Pois é preferível uma “Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguran­ças”. (EG 49)

            O Papa chama a atenção sobre alguns aspectos da realidade que podem deter ou enfraquecer os dinamismos de renova­ção missionária da Igreja, seja porque afetam a vida e a dignidade do povo de Deus, seja porque incidem sobre os sujeitos que mais diretamente participam nas instituições eclesiais e nas tarefas de evangelização. Assim, alerta que os cristãos devem, com discernimento sábio e realista, dizer não a uma economia de exclusão e desigualdade, que descarta as pessoas e as considera como sobras e resíduos por conta de uma ‘globalização de indiferença’, do anestesiamento das consciências, do ‘fetichismo do dinheiro’, do consumo e da rejeição da ética e de Deus.

            Francisco apresenta também os desafios de uma cultura relativista e midiática, da inversão de valores, a secularização, a transformações no âmbito familiar, os problemas da inculturação da fé e sua transmissão, as transformações no mundo urbano, suas problemáticas e ambivalências com o tráfico de droga e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime. E a problemática do mundo urbano que deveria ser um precioso espaço de encontro e solidariedade e termina por ser, muitas vezes, um lugar de retraimento e desconfiança mútua. (EG 75) Não muito diferente está o âmbito rural. (EG 73) A Igreja, por sua vez é chamada, neste contexto tumultuado, a viver a fundo a realidade humana e a inserir-se no meio dos desafios como fermento de testemunho do Evangelho, que é o melhor remédio para os males urbanos. (EG 75)

            Nesse sentido, faz jus a reflexão do Santo Padre sobre os desafios que todos os agentes de pastoral enfren­tam no meio da cultura globalizada atual. E é na superação do personalismo, da acédia paralisadora, do mundanismo espiritual, do favoritismo, do pessimismo lamuriento e da desesperança, que devemos dizer um sim valente às novas relações gestadas a partir de Cristo (EG 87), descobrindo-O no rosto dos outros, na sua voz, nas suas reivindicações; “e aprender também a sofrer, num abraço com Jesus cruci­ficado, quando recebemos agressões injustas ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade”. (EG 91) Aqui está o ideal cristão e a nossa dignidade de batizados e quer sejamos homens ou mulheres, jovens, crianças ou idosos, ministros ordenados ou leigos, todos temos nosso lugar na Igreja de Jesus Cristo e não devemos permitir que “nos roubem a força missionária!” (EG 109)

            Francisco indica um processo de evangelização que resgate a dimensão querigmática e mistagógica. (EG 163) Tal processo deve ser acompanhado com paciência, buscando novas linguagens e símbolos, fundamentados na Palavra de Deus, em sintonia com o contexto social e cultural em prol da promoção integral do ser humano. Mesmo porque a Igreja está inserida no mundo e “cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido”. (EG 116) E, dessa forma, “a evangelização reconhece com alegria estas múltiplas riquezas que o Espírito gera na Igreja”. (EG 117) E vemos isso, de maneira privilegiada, na piedade popular, que é sinalizadora de como a “fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se”. (EG 123)

            A Exortação traz, ainda, uma importante colocação que é sobre a homilia, pois ela “é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo”. (EG 135) Deve ser breve, bem preparada, harmonizada com o mistério de Cristo. A homilia é como o diálogo de uma mãe com seu filho no qual se ensina e aprende, se corrige e valori­za o que é bom (EG 139); gerando um ambiente materno-eclesial (EG 140), unindo os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo. (EG 143) Por isso, deve ser bem preparada, comprometida com a verdade que “anda de mãos dadas com a beleza e o bem” (EG 142) e faz arder os corações. E, para tanto, o estudo da Sagrada Escritura é indispensável, porquanto uma eficaz evangelização exige fami­liaridade com a Palavra do Senhor. (EG 175)

            Evangelizar é ainda estar atinado com a dimensão social de nossa comunidade humana nos impelindo a agir no mundo: incluir os pobres, os fragilizados e os indefesos das violações contra a vida humana, lutando persistentemente pela paz social e pela construção de um diálogo interdisciplinar entre fé e razão, ciência e ecumênico. Concretizando a solidariedade, que “supõe a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade” (EG 188) como “um estilo de constru­ção da história, um âmbito vital no qual os confli­tos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida”. (EG 228) Por fim, Evangelizar é nos imbuir do mais profundo desejo de abertura sem “medo à ação do Espírito” (EG 259) nos deixando encantar pela alegria e beleza do Evangelho em um renovado impulso missionário sob a proteção de Maria, a mãe da evangelização.

            Assim termina a Evangelii Gaudium como nova ventilação na Igreja. É uma exortação, é direta, clara não tem interpolações, visa tocar o coração do homem e da mulher atuais. Coloca-nos dentro de uma perspectiva do acolhimento e da ternura, convidando a Igreja a ser samaritana e a fazer “a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora”. (EG 195) Francisco não se autocita, mas vai à riqueza das Conferências Episcopais dos Continentes, reforçando o sentido de participação, e dos documentos dos seus antecessores e do próprio Concílio, que confirma a atitude de unidade e continuidade sem perder a graça da liberdade que o Espírito Santo conduz, pois Ele, com seu alento revitalizador, “bem sabe o que faz falta em cada época e em cada momento”. (EG 280)

Pe. Elizio Anunciação, css